Projeto estuda impacto socioambiental de redes de cerco em estuários de Sergipe

Projeto estuda impacto socioambiental de redes de cerco em estuários de Sergipe

25/09/2023 0 Por Redação

Texto: Katia Azevedo – jornalista e bolsista DTI-3/FAPITEC/SE/Edital 01/2022/Projeto Boletim Fapitec Ciência

Fotos: Divulgação/Projeto Escolhedeira

Compreender a extensão do impacto causado pela rede de cerco nos estuários de Sergipe e desenvolver em parceria com os pescadores e a Escola Estadual Armindo Guaraná de São Cristóvão um método de pesca que reduza a mortalidade e a captura dos recursos pesqueiros na sua fase juvenil. Esta é a proposta do Projeto Escolhedeira: Uma Tecnologia Social Para Reduzir O Impacto Da Rede De Cerco Nos Estuários De Sergipe.

O projeto é  desenvolvido pelo Departamento de Engenharia de Pesca da Universidade Federal de Sergipe (UFS) sob a coordenação do pesquisador e professor Mario José Fonseca Thomé de Souza.

“A proposta do projeto é conhecer o real impacto das redes de cercos empregadas em Sergipe e ao mesmo tempo, em conjunto com as comunidades pesqueiras locais, elaborar um equipamento de tecnologia social que melhore a seletividade das capturas nesta etapa do ciclo de vida para que os mesmos possam crescer e serem capturados, reduzindo o tempo de manuseio e a mortalidade dos peixes na fase juvenil”, explica.

De acordo com o pesquisador a pesca em Sergipe é realizada por dezesseis arte/métodos, entre eles, os arrastos que são considerados os mais prejudiciais ao meio ambiente por conta da baixa seletividade causada pelo tamanho de sua malha, normalmente dois centímetros entre nós opostos.

Ele ressalta ainda que as atuais características dos arrastos são potencialmente prejudiciais ao meio ambiente com impacto socioeconômico na pesca regional, sendo os estuários, berçários para vários organismos e, ao mesmo tempo, importantes áreas de manutenção de bens e serviços para as comunidades locais.

Além disso, segundo Mario, o principal recurso pesqueiro capturado pelas redes de cercos em Sergipe é a mistura ou também chamada localmente de miunça, e representa 1/3 de tudo que é capturado por este método. “A mistura não se refere a um grupo específico, mas a um conjunto de várias espécies de baixo valor comercial, composto quase que exclusivamente por peixes na fase juvenil. Há relatos de que uma parte substancial das capturas é descartada. Além da miunça, são registrados 59 grupos de recursos pesqueiros capturados. O número de espécies pode alcançar o dobro disso, indicando um impacto ainda maior nas fases juvenis de vários recursos pesqueiros”, enfatiza.

Diante deste cenário, o projeto pretende oferecer uma tecnologia social, de fácil uso e barata, e que possa a médio e a longo prazos proporcionar a elevação da renda e o bem-estar social das comunidades pesqueiras, com impacto direto na redução da pobreza e na pressão sobre os recursos pesqueiros, permitindo que as espécies ditas  juvenis possam escapar do impacto da pesca e se desenvolverem, aumentando com isso a disponibilidade das espécies na região costeira de Sergipe.

Em fase de finalização de estes, o equipamento chamado Escolhedeira é desenvolvido em parceria com a Colônia de Pescadores Z-2, porto da sede de São Cristóvão, local de descargas das capturas da rede de cerco em Sergipe, e a Escola Estadual Armindo Guaraná e da UFS.

Para o pesquisador, a Escolhedeira é uma “solução que possui potencial para ser disseminada entre os pescadores como um acessório a rede de cerco principal. Alguns exemplos semelhantes e exitosos foram implementados na Amazônia, o que resultou no aumento da seletividade e do tamanho dos peixes naquela região”, exemplifica Mário.

Para compreender a eficiência da escolhedeira, os peixes retidos e os que ultrapassarem as malhas são registrados, utilizando os dados biométricos do comprimento padrão e da altura do corpo dos animais. Também são aplicados testes técnicos para avaliar a eficiência do equipamento.

Além da rede de arrasto com foco na seletividade de peixes, o projeto também envolve a preservação da fauna, estimula a economia criativa e realiza o mapeamento dos estuários de Sergipe: baixo rio São Francisco, Japaratuba, Sergipe, Vaza-Barris e Real/Piauí, com atividades e metodologias a serem empregadas através de mapas cartográficos previamente produzidos durante as descargas nos portos monitorados.

Os testes dos equipamentos acontecem no estuário do Vaza-Barris em parceria com os pescadores profissionais sobre processos de manuseio da rede de cerco em conjunto com a escolhedeira. Durante os testes foram feitas adaptações do tamanho ideal da malha para a confecção da escolhedeira em relação a medidas das malhas com formatos que podem melhorar a seletividade dos peixes.

Monitoramento

Todo o material coletado resulta no monitoramento do material biológico devidamente armazenado em sacos plásticos e etiquetado para análise no Laboratório de Avaliação dos Recursos Pesqueiros da UFS onde os animais são conservados, separados e identificados por peso, comprimento total e altura.

Outra ação de monitoramento é focada ainda na identificação das áreas de atuação das redes de cerco nos estuários de Sergipe através de uma base de dados com informações copiladas com a data de captura, o local de descarga e a localidade de pesca

Os resultados alcançados pelo projeto serão apresentados em evento aberto na colônia dos pescadores.

O processo de confecção e testes do equipamento já estão em fase final e  já existem três protótipos criados na etapa de experimentação do projeto.

Iniciação científica

Alaelson da Conceição Santos é um dos participantes do projeto. “O desenvolvimento desta tecnologia social ajuda a gente saber o desempenho da rede para diminuir a mortandade do peixe. Agora temos um incentivo para melhorar a pesca. Antes do projeto não tínhamos este conhecimento. Nunca tivemos este tipo de pesquisa na nossa região”, observa.

Além dos pescadores, o projeto conta com a participação de estudantes da Escola Estadual Armindo Guaraná e da UFS. Bolsistas de iniciação científica, os estudantes da Escola Estadual Armindo Guaraná, Leonam de  Santana Moraes e Fábio Kauan da Silva Santos relatam que a experiência é um incentivo para uma futura carreira científica.

“A partir desta iniciativa, descobri novas habilidades de pesquisa. Aprendi a medir, pesar, analisar bem as espécies. Planejava ir para a área de engenharia e agora tenho certeza de querer cursar a área específica da engenharia de pesca da universidade”, diz Leonam, estudante do 1º  ano do ensino médio. “Está sendo uma experiência muito boa para mim. Através da bolsa desenvolvemos o interesse rumo à engenharia de pesca e por meio do projeto aprendemos sobre novas espécies e feito várias descobertas”, pontua Fábio.

Para o estudante de Engenharia de Pesca da UFS e bolsista de Iniciação Tecnológica da FAPITEC/SE, e participante do projeto, Matheus Luan da Rosa Bosse, o projeto representa uma oportunidade de proporcionar uma rica troca de experiência entre pescadores e os estudantes. “Conhecemos a realidade da pesca com os pescadores da região, especialmente sobre as espécies existentes que são chamadas por eles por nome popular. Muitas espécies continuam desconhecidas pela população e por isso a importância da sua identifica”, avalia.

Da mesma forma o estudante Luis Campos Santos chama a atenção para a importância da experiência. “Ampliar o conhecimento das espécies capturadas e estudar a prática de pesca de rede de cerco em Sergipe é uma oportunidade de entender e garantir a preservação ambiental”, diz.

Já o estudante Antony Alburquerque Marques Nascimento afirma que o projeto “é uma oportunidade de participar e interagir como estudante de novas metodologias de tecnologias sociais”, observa. Luis Daniel Campos Santos é outro participante da ação científica. “O projeto trata de um tema muito importante da necessidade do engajamento socioambiental que envolve a ciência, a pesquisa e a tecnologia”, aponta.

O projeto é contemplado pelo Edital Fapitec/Seduc Nº 09/2022 – Tecnologias Sociais com a gestão de investimentos da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (Fapitec/Se) e conta com a concessão de financiamento da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (Seduc).

De acordo com o presidente da Fapitec/SE, Alex Garcez, o projeto mostra de forma bastante exitosa como os editais realizados pela Fundação contribuem para o desenvolvimento socioeconômico de Sergipe. “Através deste projeto vemos o quanto é positiva a realização de editais voltados para tecnologias sociais e como resultam em pesquisas que, de fato, podem contribuir para melhoria social, econômica e, neste caso específico, ambiental do nosso estado”, salienta.

Educação ambiental

Além da construção de dados científicos, o projeto pretende implementar ações de educação ambiental na escola, com a elaboração de um material didático para divulgar do processo e os resultados obtidos durante a realização da iniciativa.

O projeto também organiza oficina participativa com a colônia de pescadores para discutir adaptações de tamanho em medidas das malhas com formatos que podem melhorar a seletividade dos peixes. Todo o processo de confecção do material é de forma coletiva, incluindo a definição das malhas, o formato e o método de uso.

Os resultados alcançados pelo projeto serão apresentados em evento aberto na colônia dos pescadores no final da sua execução.