“Nilton era muito curioso, característica primordial para qualquer cientista. Quando a pandemia chegou ao Brasil e as coisas se agravaram, nossas atividades foram suspensas. E começamos, dentro das nossas limitações, a investigar o assunto”, conta Carolina. “Estávamos tentando correlacionar se a gravidade da infecção no sistema nervoso central correspondia à gravidade da infecção no pulmão, mas não conseguimos comprovar isso pelas amostras que tínhamos”, explica.
Infecção e hospitalização
Apesar de o coronavírus ter interrompido temporariamente os planos do casal de passar uma temporada no exterior, Nilton e Sâmia viviam o “melhor momento” de suas vidas, diz ela.
“Quando Nilton veio para São Paulo, em 2012, passamos dois anos à distância. Em 2014, vim para cá. Sou engenheira de formação, mas por necessidade trabalhei em shopping e padaria. Quando o Nilton conseguiu a bolsa e eu passei no mestrado, foi a primeira vez que a gente conseguiu sair do sufoco”, conta. Sâmia não sabe como Nilton foi infectado pela covid. Tampouco por que ele foi o único da família que vive em São Paulo a desenvolver os sintomas mais graves da doença.
“Éramos muito cuidadosos. Nunca deixávamos de usar máscara, evitávamos aglomerações e lavávamos todos os alimentos. Mas Nilton foi o único a agravar. Ele era extremamente saudável e não tinha nenhuma comorbidade”, diz. “Ele teve 90% dos pulmões comprometidos e seu quadro se agravou muito rapidamente.” Nilton ficou internado por dois meses no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, referência para o tratamento de covid, e morreu no último dia 5 de maio.
“Algumas semanas antes da morte dele, pudemos visitá-lo na UTI. Ele estava muito cansado, mas interagindo. Ele se mostrava preocupado com a situação política do Brasil. Sempre fomos muito progressistas. Sempre lutamos pela educação pública de qualidade e ele, pela pesquisa, e esse foi um setor que vem sofrendo seguidos cortes”, conta. “Ele também ficou feliz ao saber que os pais dele finalmente haviam sido vacinados.”
Luto e revolta
Sâmia ainda tem dificuldades para enfrentar a dor do luto. “Nilton é meu esteio. Sempre me apoiou profissionalmente, me engrandeceu, conhecia cada sorriso e cada sentimento que eu tinha, era a pessoa que certamente melhor me conhecia. A gente dormia abraçado todos os dias e para mim está sendo muito difícil. Não sei como vai ser a minha vida daqui para frente, como vou continuar na minha casa rodeada de memórias dele todo o tempo”, diz ela.
“Ele foi o meu primeiro namorado, meu marido, o amor da minha vida. Tive a sorte de ter um amor seguro, tranquilo, por 16 anos e só tenho que agradecer a Deus pela oportunidade”, acrescenta. O sentimento é compartilhado pela irmã de Nilton, Neucy, que vive em Belém. “Ele continua vivo em cada um de nós. Era um irmão maravilhoso, um filho excelente, sempre preocupado com todo mundo”, diz. “Nilton era muito protetor, sempre esteve do meu lado.”
Sâmia, com o apoio da família, decidiu autorizar a doação de órgãos de Nilton. Partes do tecido do pulmão, coração e cérebro dele foram coletadas para que a pesquisa desenvolvida por ele continue. O objetivo é tentar entender por que que um paciente sem nenhuma comorbidade evoluiu tão gravemente.
“A saudade nunca vai passar. Mas temos muito orgulho dele. E a sensação de que ele cumpriu o papel dele e continua sua missão. Mesmo depois de sua morte, a pesquisa vai continuar e esperamos que isso possa a salvar outras pessoas”, diz Neucy.
Mas não é o só a dor do luto que Sâmia e a família têm que enfrentar, mas também a revolta.
“Estou extremamente revoltada. Nilton morreu de uma doença para a qual já há vacina. Ele foi assassinado por um governo genocida”, diz ela, em alusão à gestão do presidente Jair Bolsonaro.
“Temos um governo que não acredita na ciência, que não investe em pesquisa, que odeia professor. É muito cruel”, finaliza.
Nilton deixa os pais, Nilton e Maria Nércia, duas irmãs, Nádia e Neucy, e a esposa Sâmia, assim como uma dezena de amigos, muitos cientistas como ele.